À primeira vista, para alguém que visite Santiago ou a região dos lagos e vulcões, o Chile poderia ser o país de primeiro mundo que querem fazer crer a toda a gente que é o mais evoluído da América do Sul. Há poder de compra, há consumismo, há modernismo, há gente que vai de férias a Miami.
Desenganem-se as gentes. Uma pequena volta no norte chileno, assim em três ou quatro camiões, e toda uma utopia cai por terra. E não não, não estou a falar do deserto do atacama, onde os turistas dão voltas de jipe e tiram fotos com cactos gigantes.
Estou a falar de sítios como La Negra. Se existe um inferno, certamente se assemelha à La Negra. Chegámos às duas da manhã à COPEC de La Negra, um pequeno ponto no mapa às portas de Antofagasta, a cidade mineira do Chile por excelência. Chegámos num camião que conduzia (como todos os outros) em excesso de velocidade. Nos meus piores pesadelos de ficção científica é de noite e o mundo tornou-se num lugar cinzento, povoado por fábricas e camiões e pessoas-autómato. O ar é irrespirável, há um ruído de fundo metálico, surdo e monótono, de fábricas em funcionamento constante. E tudo, tudo está morto, as plantas estão cobertas de uma fina poeira cinzenta, os telhados e as paredes das casas estão cobertos de uma fina poeira cinzenta, os parques infantis estão cobertos de uma fina poeira cinzenta como se não tivessem sido utilizados há séculos; os únicos animais existentes são cães vadios e esfomeados que ladram ao longe e ao perto e a todas as distâncias, enchendo o ar de angústia. No fundo dos olhos das pessoas há uma fina poeira cinzenta enquanto apanham o autocarro dos trabalhadores das minas ou das fábricas. Os meus piores pesadelos de ficção científica passavam-se afinal em La Negra, no norte do Chile.
Não, não estou a falar do deserto do atacama, onde os turistas dão voltas de jipe e tiram fotos com cactos gigantes.
Estou a falar dos quase 2000 km de deserto e mar que se estendem mais ou menos do norte de La Serena até à fronteira com o Peru. Quase 2000 km de deserto e mar tóxico e minas. Minas de cobre e prata. Minas enormes que são proprietárias dos quilómetros a perder de vista de deserto, minas onde entram e saem ininterruptamente linhas infinitas de camiões. Minas alimentadas por quilómetros de cabos e postes de alta tensão que sulcam e dilaceram o Chile desde as enormes barragens das hidroeléctricas que inundam vales desde o sul mais ao sul da Carretera Austral. Minas cujos resíduos deixados a céu a aberto nas praias percolam e desaparecem lenta, mas inevitavelmente, nas águas do Oceano Pacífico. As minas que governam o Chile, que alimentam o Chile, que são o motor duma economia crescente e capitalista ao extremo, que serão um dia a perdição do Chile. Porque um dia, o dinheiro fácil dos minerais vai acabar. E o Chile vai perceber que afinal ainda é um país do terceiro mundo.










Paula y familia (a nossa salvação em Copiapó) – Miguel – Felipe – Maurício – Pablo
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