La Paz acabou por se tornar na nossa cidade-mãe de fim de viagem. Pouco a pouco fizemos da casa da Isa a nossa, habituámo-nos ao ar seco e frio e à altitude, temos já 95% de saturação de oxigénio no sangue a 4000 m e a Tunupa e o Zavicha ladram felizes quando nos vêem.
Como qualquer Paceño que se preze, também nós desenvolvemos uma relação de amor-ódio com a cidade de La Paz, essa babel caótica que se despenha do Altiplano em direcção aos Yungas. Porque há muito para odiar e outro tanto para amar.
Enquanto Europeus, o ruído e o tráfego de La Paz são por vezes de pôr os cabelos em pé. A falta de ordem, a sujidade, a pobreza dos bairros mais altos e a desigualdade, chocam com o nosso conceito de cidade desenvolvida. Por outro lado, a diversidade cultural e social, que raramente tem espaço para existir num mesmo lugar geográfico de forma tão marcada, coexiste livremente nesta cidade. O homem de negócios sério e apressado, que poderia ser avistado em qualquer rua de uma capital europeia, atravessa a estrada ao lado de uma cholita, mulher vestida segundo a tradição Aymara, que poderia vir de uma qualquer aldeia perdida num canto recôndito da Bolívia; e ambos são quase atropelados por um autocarro do tempo da segunda guerra mundial com «Dios es mi salvador» escrito no tablier, que buzina ferozmente e se esquiva habilmente de um BMW Z3, para deixar passar o homem vestido de zebra que trabalha na sensibilização dos automobilistas aos direitos dos peões. Este lado vibrante, louco mesmo, e constantemente em movimento desta cidade desesperante tem, surpreendentemente, algo de cativante. As gentes que cozinham e comem na rua, os mercados que pululam por todo o lado, os cães, as crianças, as praças e mesmo o próprio caos generalizado, conferem à cidade uma atmosfera alegre e dinâmica. Subindo a um dos vários miradouros da cidade (a pé pelos bairros de lata ou no teleférico ultra-moderno), damos de caras com as montanhas nevadas da Cordillera Real, encabeçadas pelo Ilimani, que guardam La Paz do alto do céu azul do Inverno seco e frio do Altiplano.
Chegados do Perú, passamos uns dias em La Paz e logo seguimos para Peñas. Peñas é uma pequena aldeia rural em frente à Cordillera Real onde um turista aleatório nunca pensaria em passar. Perdida no campo, com uma vista magnífica sobre a Cordillera, a única coisa digna de nota que alguma vez ali se passou foi o esquartejamento de um líder indígena pelos espanhóis durante a invasão. No entanto, é neste pequeno canto do mundo que o padre italiano António Zavatarelli desenvolve vários projectos de ajuda à população e aos jovens locais. Passámos então duas semanas na excelente companhia de várias pessoas absolutamente improváveis, num óptimo ambiente de camaradagem, dando uma mãozinha à direita e à esquerda, onde foi preciso. Desde a instalação de duches na nova escola, a jardinagem, reparação de caldeiras, pintura de letras Aymara em frisos de capelas e aulas de meteorologia de montanha, fizemos um pouco de tudo. Assistimos à inauguração da tal capela, um verdadeiro circo cultural, escalámos e coroámos a visita com a subida (do Seb, do Padre e do Romain) e a mirada (minha e da Ana), da famosa cabeça do Condoriri, para termos a certeza que encerrávamos em beleza este nosso périplo sul-americano.
Monumento indígena na praça de Peñas. «Volvere y sere millones», disse o líder indígena Tupac Katari, quando foi esquartejado por volta de 1781 nesta praça pelos invasores espanhóis.
Terminando de colocar os stencils para a palavras a pintar no friso. «Wawanakasaru Uñjam» – Cuida os nossos filhos.
É sempre reconfortante conhecer-se um lugar como Peñas. Reconfortante, porque nos garante (se ainda houvessem dúvidas no final desta viagem…) que vale a pena continuar a ter fé na humanidade, que há pessoas que vivem a sua vida ao serviço dos outros. Reconfortante, porque agora sei que há pelo menos um lugar no mundo para onde posso fugir se um dia quiser fugir deste mundo.
Poucos dias depois de Peñas, dou por mim à janela de um TGV em direcção ao norte de França, a caminho de um casamento. A viagem de avião foi longa, mais de 24 h, mas não longa o suficiente para cobrir a distância que separa o lá do cá. Estávamos a anos-luz da nossa Europa organizada, imaculada, standardizada. E agora, poucos dias mais tarde, atravessamos campos verdes a perder de vista a mais de 300 km/h.
Sempre disse que o difícil não era partir, como todos fazem crer. O que custa é chegar. Chegar demora mais do que 24 h de avião. Se calhar a alma vem de barco porque tem medo das alturas. Há de andar, então, perdida no meio do Atlântico umas semanas mais. E há de chegar a Portugal, quando der à costa, vinda lá do longe, pois chocará com o país mais ocidental da Europa, e daí tentará encontrar-me.
Esteja onde estiver, há de encontrar-nos rodeados de família e amigos: afinal de contas, foi por isso que voltámos.
«Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu..»
(Fernando Pessoa)
Isa, Tunupa, Zavicha – Padre António – Padre Leo – Ana – Rosmer, Askid, Leo, Wilmer
]]>O pacto conjugal estava assinado, o compromisso tomado: acabámos de passar sete dias maravilhosos a dar a volta ao Alpamayo, vamos então agora surfar a mais longa onda esquerda do mundo em Puerto Chicama!
Uma vez na zona de Huaraz, Trujillo – cidade principal do norte do Perú de uma milhão de habitantes e próxima de Chicama – estava efectivamente a menos de 10h de autocarro, o que é o mesmo que dizer na porta ao lado!
Aproveitamos a nossa escala na cidade para visitar templos milenares incríveis, ainda bem conservados, apesar dos seus 1000 anos de idade. Os católicos ou mesmo os Incas, escolhiam as suas pedras com aquela necessidade louca de fazer perdurar no tempo edifícios mais ou menos imponentes. Aqui, na Huaca del Sol (civilização Moche, dizer [motché], pré-Inca), o templo, feito de milhões de tijolos de terra e ornamentado por pinturas feitas de pigmentos naturais que representam cenas de sacrifícios humanos, foi «simplesmente» coberto por uma nova versão de cada vez que houve alguma mudança importante na sociedade dos dirigentes. Com uma regularidade de cerca de um século, os frescos fantásticos eram cobertos de areia (por questões de conservação?) e novas construções eram empilhadas por cima. Para qualquer arqueólogo, descascar uma espécie de cebola gigante feita de milhões de tijolos de terra e descobrir os frescos cuidadosamente protegidos dez séculos antes, deve ser um sonho, um caso de estudo clássico, mas bem real!
Do outro lado de Trujillo, a norte, o templo de Chan Chan, posterior à Huaca del Sol, é igualmente feito de terra, mas num estilo diferente. A terra é mais trabalhada e as pinturas coloridas de sacrifícios são substituídas por gravuras (directamente na matéria) de cenas esquemáticas que sugerem que esta civilização Chimú tinha um domínio das ciências naturais bastante avançado: conheciam, por exemplo, a existência dos fenómenos associados à corrente de Humbolt e ao El Niño costeiro.
Tendo respeitado a quota de visitas histórico-culturais (um dia por mês): azimute apontado ao spot mítico de Chicama!
Antes de tudo, o sítio mundialmente conhecido dos surfistas é uma pequena aldeia de pescadores rodeada de deserto e campos de cana de açúcar. Passaremos uma dezena de dias como únicos ocupantes do último andar da pensão mais bem localizada de Chicama (El Hombre!) – por outras palavras, tínhamos um apartamento privado com cozinha e varanda panorâmica sobre a praia, aberta aos pôres-de-sol e às ondas perfeitas e infinitas.
O spot principal, «El Point», resume-se a uma aproximação de 15 min a pé pela praia, uma entrada pelos calhaus mais ou menos cortantes sobre os quais rebentam as ondas que nos desequilibram, uma remada infernal que se assemelha mais a uma marcha-atrás de alguém que se debate na água para atravessar a corrente – ou a torrente – transversal, uma remada infernal-bis para tentar ridiculamente ficar na zona do pico e por fim, assim que a onda chega (e que ninguém se apropria dela antes), a última remada (que apenas agora deve ser a mais forte) para apanhar a onda… deixemos de lado a sensação agradável de falhar a onda (cair miseravelmente e beber um pouco de água salgada) e dever repetir todo o processo, caminhada de aproximação incluída, para tentar a sua sorte uma vez mais – tal poderia ser o resumo das duas primeiras sessões do Seb. Ah! Quase me esquecia dos maravilhosos barcos!! Esses barcos que avançam contra a corrente para deixar no pico, bem frescos e sem esforço algum, os surfistas mais ricos e menos dignos. Apesar de tudo, a Mariana pôde, desde o primeiro dia, honrar o spot aproveitando tudo o que havia de aproveitável. Imaginem a onda esquerda mais longa do mundo a acolher uma goofyfoot portuguesa (em Portugal há principalmente direitas…), vale mais dizer que se sentia uma certa sintonia! A Mariana teve rapidamente dor nas pernas devido às ondas tão compridas… o Seb teve instantaneamente dores nos braços devido a uma luta sem paralelo contra esta corrente e para se tentar posicionar com falta de jeito no bom sítio. Os primeiros dias foram de longe os mais cansativos e frustrantes, mas quer a gente queira quer não, acabei por me adaptar e compreender um pouco melhor o spot. A corrente deixou de ser uma torrente a atravessar, organizámo-nos para não estar na água ao mesmo tempo que os barcos depositadores-de-surfistas-indignos e as ondas acabaram por me aceitar e mostraram-se mesmo apetecíveis tornando-se, pelo menos para mim, nas mais longas do meu mundo.
Seb que, por milagre, parece um verdadeiro surfista neste preciso segundo (o fotógrafo era verdadeiramente excelente).
Aproveitamos o nosso caminho de regresso a La Paz para visitar Lima, o seu centro – colonial – com o seu museu de gastronomia peruana (como assim, só pensamos em comida…?), a sua beira-mar cheia de surfistas da cidade, os seus numerosos parapentistas na espera desesperada de alguns km/h de brisa para brincarem em dinâmico (em vão), o seu parque original de jogos de água…
]]>]]>O segundo capítulo do Peru começa outra vez, como não podia deixar de ser, por umas belas nove horas de autocarro de Lima a Huaraz, a cidade peruana da montanha por excelência. Plantada à beira da Cordillera Blanca, protegida pela Cordillera Negra, é a cidade base para um sem número de treks magníficos numa das provavelmente mais belas zonas montanhosas do mundo.
Com o nosso tempo bem contado, decidimos partir para o trek da volta do Alpamayo, de cerca de 7 dias, muitíssimo menos frequentado que os treks clássicos mais curtos e muito mais bonito também.
Os dias seguintes passaram-se tranquilamente num desfile de paisagens de cortar a respiração: cumes impossivelmente nevados de tão verticais, vales variados e magníficos a cada passo, subidas ofegantes a quase 5000 m, encontros simpáticos com famílias de pastores perdidos no tempo e, para grande felicidade do Seb, avistamentos diários de cada cara do Alpamayo.
Há que assumi-lo, fomos ao Perú sem o nosso Quetzal.
A um pouco menos de dois meses do final da nossa viagem (sim, porque nada pode durar para sempre…) damos por nós num dilema: continuar Perú acima em bicicleta ou deixar o Quetzal a descansar um pouco mais na casa da nossa amiga Isa em La Paz. Dois meses pode parecer muito tempo para o comum dos mortais que tem no máximo três semanas de férias seguidas ao ano, no entanto, na escala de tempo do ciclista, dois meses é claramente pouco tempo para se ver um país tão grande como o Perú decentemente. Além do mais, dois pontos de passagem obrigatória para nós, se impunham: a Cordilheira Branca e Chicama, localizados no centro e norte do Perú, respectivamente (bem longe um só outro). Assim sendo, e com vontade de terminar mais tarde a nossa viagem em La Paz, decidimos partir para uma ida e volta ao Perú em modo ultra-light: uma grande mochila e uma pequena mochila.
O primeiro ponto de passagem, ainda no final de Maio, foi a famosa zona de Cusco, com o seu mais-que-célebre Machu Picchu. Aqui chegámos desde La Paz, após 15 dolorosas horas de autocarro. Em toda esta zona estivemos acompanhados da Ema e da Apo, as duas tandemistas francesas que já havíamos conhecido e que deixaram também a sua montada em repouso uns dias.
Como toda a gente vai ao Machu Picchu directamente ou seguindo o cem-mil-vezes-calcorreado Inca Trail, decidimos que íamos fazer diferente. Alguém nos falou num tal trek do Choquequirao, o pseudo novo Machu Picchu, pouco visitado e ainda em exploração. Ok, porque não, vamos lá então ver essas ruínas alternativas. O que não nos explicaram, é que chegar às fantásticas ruínas implicava desníveis diários de 1400 m de descida e 1300 m de subida, num mesmo vale (portanto na descida já se vêem maravilhosamente bem todos os zigzags da subida…), infestados de mosquitos, ou pior, de mini-mosquinhas que picam, sem fazerem ruído algum, qualquer milímetro quadrado que não esteja 100% coberto de repelente durante uma fracção de segundo e que dão uma comichão danada durante dias ou mesmo semanas. Está explicada a falta de frequentação de tão inéditas ruínas!
Junte-se a um trek duríssimo sob um sol escaldante o facto de que eu e o Seb, em dieta por causa da vida que nos habita, não podermos comer açúcares, nem gorduras, nem lácteos, no fundo tudo o que permite uma sobrevivência digna num trek desta espécie.
Enfim, lá sobrevivemos e felizmente, graças à sugestão dum guia francês providencial, alteramos os planos dos últimos dois dias de trek, e em vez de chegarmos a Aguas Calientes directamente a partir de Yanama, decidimos explorar um antigo caminho Inca num outro vale, que desta vez sim, vale bem a pena!
Eventualmente chegamos a Aguas Calientes e enfrentamos com coragem a horda de turistas mochileiros, ricos, novos, velhos, um pouco de todo o mundo, e visitamos dignamente o Machu Picchu acompanhados de um guia, concluindo por fim que deixem-se lá de tretas por favor, o Choquequirao é boniro, mas o Machu Picchu é bem mais lindo, trabalhado e variado que o Choquequirao, e não é preciso ser comido vivo pelas mosquinhas nem subir e descer todos os vales da região para o poder apreciar.
Terminamos este capítulo da visita ao Perú em Cusco, provavelmente a mais bela cidade da América do Sul, pelo menos daquelas em que estivemos e estaremos nós.
Isla del Sol e o Lago Titicaca
Parque Nacional Sajama
A caminho de Coipasa
E depois do salar de Coipasa, depois das múmias Aymara abrigadas em corais fossilizados, dos campos de quinoa vermelhos a perder de vista, alcançamos finalmente o famoso salar do Uyuni, muito mais seco que o seu irmão mais pequeno do norte e semeado de pequenas ilhas infestadas de cactos gigantes, daqueles que se vêem nos desenhos animados. A mudança de ambiente é radical. Os chuteros são substituídos por hordas de turistas enlatados na centena de Toyotas estacionados à volta da Isla de Incahuasi. Mesmo assim, a paisagem é feérica e aproveitamos a partida dos operadores turísticos para admirar um esplêndido pôr-de-sol quase sozinhos, antes de seguirmos viagem em direcção ao sul.
O Salar do Uyuni
E finalmente entramos no Sud Lipez, onde a erosão aquática e eólica, movimentos tectónicos milenares e a secura, esculpiram uma paisagem marcial digna de Dali. O Sol queima, o vento corta, a altitude tira o fôlego, os vulcões são cumes nevados na distância, os desertos foram pintados com uma paleta infinita de ocres e as lagoas desafiam a realidade esperada do azul, brilhando em tons de verde, vermelho, rosa, pastel. Graças a Deus que não temos à mão a nossa máquina fotográfica em reparação em La Paz, claramente não teríamos conseguido andar mais de uns escassos metros por dia, caso contrário.
Dou por mim a pensar que tendo já visto tantas paisagens maravilhosas nesta vida, claramente tinha ainda uma grande lacuna neste planeta, este Altiplano boliviano.
O Sud Lipez, bem-vindos a Marte.
É enfim tempo de voltar a La Paz, de onde partimos rapidamente em direcção ao calor dos Yungas, a pré-selva das vertentes que descem do Altiplano em direcção à selva tropical. O contraste absoluto é alucinante: o calor substitui o frio, a humidade e vegetação luxuriante, típicas dos climas tropicais, aliviam a secura extrema do Altiplano, uma incrível diversidade de coisas que picam e deixam uma comichão horrorosa toma o lugar da quase ausência de seres vivos; o carácter naturalmente asséptico dos 4000 m altiplanescos é substituído por uma combinação explosiva de pouca higiéne e profusão de bactérias e parasitas que me atiram uns dias para a cama com febre e sobretudo cólicas desumanas, pela primeira vez na nossa viagem.
Los Yungas
Enquanto a Mariana se bate em cólicas intestinais sobrehumanas contra hipotéticos parasitas microscópicos colhidos nos Yungas, nós aproveitamos a janela meteorológica tão esperada para fazer uma apresentação da Cordillera Real aos pais Blein. Prevemos, in extremis, um trek de três dias (o voo de volta dos pais Blein no quarto dia) inspirado em algumas ideias do amigo Radek. Dois dias de aproximação desde o sopé do Huayna Potosi até à laguna Chiar Kota (campo base do Condoriri e do Pequeño Alpamayo), passando magníficos passos em altitude e terminando com a ascenção do modesto, mas esplêndido Pico Austria, permitem uma impregnação completa da atmosfera única dum cume da Cordillera Real. Entre os lamas e alpacas, a progressão é tranquila, sempre com vista ao Altiplano e lago Titicaca, e vigiados constantement pela impressionante face oeste do Huayna Potosi, a singular Aguja Negra e outros picos sem nome talvez jamais escalados pelo Homem. O nosso último dia foi um desse tipo de dias absolutamente perfeitos, com uma meteorologia finalmente digna do Inverno boliviano (frio e seco, com uma visibilidade extraordinária), ninguém no nosso caminho, os pais Blein bem aclimatados e em super forma e um pequeno banquete no cume! Estes três dias fecham assim com emoção este «tempo de familia» versão francesa, à imagem da versão portuguesa de alguns meses antes.
Cordillera Real
Série: Retratos de Lamas e Alpacas
Isa y Radek
]]>À primeira vista, para alguém que visite Santiago ou a região dos lagos e vulcões, o Chile poderia ser o país de primeiro mundo que querem fazer crer a toda a gente que é o mais evoluído da América do Sul. Há poder de compra, há consumismo, há modernismo, há gente que vai de férias a Miami.
Desenganem-se as gentes. Uma pequena volta no norte chileno, assim em três ou quatro camiões, e toda uma utopia cai por terra. E não não, não estou a falar do deserto do atacama, onde os turistas dão voltas de jipe e tiram fotos com cactos gigantes.
Estou a falar de sítios como La Negra. Se existe um inferno, certamente se assemelha à La Negra. Chegámos às duas da manhã à COPEC de La Negra, um pequeno ponto no mapa às portas de Antofagasta, a cidade mineira do Chile por excelência. Chegámos num camião que conduzia (como todos os outros) em excesso de velocidade. Nos meus piores pesadelos de ficção científica é de noite e o mundo tornou-se num lugar cinzento, povoado por fábricas e camiões e pessoas-autómato. O ar é irrespirável, há um ruído de fundo metálico, surdo e monótono, de fábricas em funcionamento constante. E tudo, tudo está morto, as plantas estão cobertas de uma fina poeira cinzenta, os telhados e as paredes das casas estão cobertos de uma fina poeira cinzenta, os parques infantis estão cobertos de uma fina poeira cinzenta como se não tivessem sido utilizados há séculos; os únicos animais existentes são cães vadios e esfomeados que ladram ao longe e ao perto e a todas as distâncias, enchendo o ar de angústia. No fundo dos olhos das pessoas há uma fina poeira cinzenta enquanto apanham o autocarro dos trabalhadores das minas ou das fábricas. Os meus piores pesadelos de ficção científica passavam-se afinal em La Negra, no norte do Chile.
Não, não estou a falar do deserto do atacama, onde os turistas dão voltas de jipe e tiram fotos com cactos gigantes.
Estou a falar dos quase 2000 km de deserto e mar que se estendem mais ou menos do norte de La Serena até à fronteira com o Peru. Quase 2000 km de deserto e mar tóxico e minas. Minas de cobre e prata. Minas enormes que são proprietárias dos quilómetros a perder de vista de deserto, minas onde entram e saem ininterruptamente linhas infinitas de camiões. Minas alimentadas por quilómetros de cabos e postes de alta tensão que sulcam e dilaceram o Chile desde as enormes barragens das hidroeléctricas que inundam vales desde o sul mais ao sul da Carretera Austral. Minas cujos resíduos deixados a céu a aberto nas praias percolam e desaparecem lenta, mas inevitavelmente, nas águas do Oceano Pacífico. As minas que governam o Chile, que alimentam o Chile, que são o motor duma economia crescente e capitalista ao extremo, que serão um dia a perdição do Chile. Porque um dia, o dinheiro fácil dos minerais vai acabar. E o Chile vai perceber que afinal ainda é um país do terceiro mundo.
COPEC Copiapó. Uma tarde e uma manhã de espera. Uma noite no jardim da estação de serviço. Mal sabíamos nós a maravilha de sítio para dormir que não era!
E finalmente chegámos a Iquique, que nos pareceu o sítio mais lindo do mundo depois de quatro dias a atravessar o deserto do norte chileno.
Paula y familia (a nossa salvação em Copiapó) – Miguel – Felipe – Maurício – Pablo
]]>Passámos em finais de Março pelas grandes cidades, para ver se a civilização ainda existia.
Santiago do Chile foi o ponto de partida, onde fomos acolhidos como se fossemos família em casa dos pais do Chalo. De Santiago não gostámos, talvez pelo choque de chegar do pequeno paraíso que é San Fábian de Alico, talvez porque os sismos já destruíram quase tudo o que havia de bonito para ver ou talvez ainda porque o smog é tão intenso que não nos deixa ver o que de mais bonito teria esta cidade: a cordilheira como pano de fundo. Assim, ficam só os arranha-céus e as ruas estreitas, poluídas e cheias de gente do centro antigo (mais uma catedral ou outra) e as avenidas novas de belos relvados, colégios para os filhos da classe alta e centros comerciais gigantes.
Daí fomos a Valparaíso, parece que não há que perder cidades património da humanidade, e já agora queríamos saber do que se falava. Pareceu-nos efectivamente uma cidade diferente, no fundo, uma cidade em que toda a gente se expressa livremente. Há quem faça coisas bonitas e há quem desfaça coisa bonitas. O Pablo Neruda, por exemplo, fez uma bela casa, donde se vê o oceano em grande esplendor.
Guarde-se na memória sobre Valparaíso o que se quiser: que é uma cidade com uma dinâmica artística fantástica, de tesouros escondidos ao virar de cada esquina, que desce das suas colinas até ao imenso Pacífico; ou uma cidade portuária caótica, suja e decadente. Talvez um pouco das duas, talvez seja esse o seu encanto, a sua capacidade de manter em coexistência dois mundos opostos.
Alguns dias depois, atravessámos o continente para ir ver o Atlântico. Ou o Bruno e a Renata, dependendo do ponto de vista.
Depois de Santiago, Montevideo pareceu-nos uma lufada de ar fresco: grandes parques, belos edifícios dos tempos coloniais (bem ao estilo europeu antigo) e o ar do mar a soprar de todas as direcções. Punta de leste, o paraíso artificial dos milionários deste mundo, Colónia de Sacramento, um pequenino lugar bem arranjado e escondido do tempo. Tempo de família, uma vez mais, visitámos os que andam por aqui perdidos neste lado do Atlântico.
Atravessando o Mar de Plata chegámos depois a Buenos Aires e a Cardales, dependendo do dia. Em Cardales descobrimos maravilhados o incrível mundo dos super-ricos do pólo internacional: bem-vindos a um dos vários campos do Ellerstina. Mais uma vez entre cavalos, aprendemos agora tudo sobre que é necessário para criar um cavalo campeão mundial de pólo.
Buenos Aires foi tudo o que esperaríamos de uma decente capital europeia: cosmopolita, cheia de parques e edifícios bonitos, com zonas pitorescas e vibrante de actividade noite e dia. A mãe e a avó da Renata garantiram o sucesso da nossa estadia.
Leticia y familia – Bruno, Susana y Emi – Renata, Sergio, Míssil y Pepa – Estella y su Maman
]]>Foi lá para os lados da cordilheira, para lá de San Fabián de Alico, lá onde só vivem os huasos e as poucas mulheres que os acompanham, com coragem de enfrentar essa vida tão solitária…
Os cavaleiros
O huaso-chefe
E assim foi, durante 5 dias solarengos…
Do vale à montanha – Fernando Pessoa
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte, cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por casas, por prados,
Por Quinta e por fonte,
Caminhais aliados.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por penhascos pretos,
Atrás e defronte,
Caminhais secretos.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por quanto é sem fim,
Sem ninguém que o conte,
Caminhais em mim.
Kora y Chalo – Miguel – Camille y Nils
]]>Passados alguns dias em El Bolsón entre voos, piscina e assados, estava na altura de seguir viagem. Além do mais, uma nova data se impunha: até dia 12 tínhamos de estar em San Fabián de Alico, novamente do outro lado da fronteira, umas centenas de quilómetros mais a norte. Contas feitas, teríamos direito a uns seis dias de pedalada. Assim sendo, havia que escolher qual o pedacinho mais bonito de caminho a pedalar, já que o resto teria de ser em autocarro, para não perder tempo. Conversas à esquerda e à direita, decidimos não fazer a travessia clássica em Villa Angostura, para não passar em Pucón ou Villarica, que de turistas por todo o lado já vínhamos nós cheios depois da Carretera Austral e de El Bolsón em fim de férias escolares. Escolhemos então seguir os conselhos de Martín, que nos falou do vale do Río Aluminé que começa lá longe no Lago Icalma, perto do Paso fronteiriço do mesmo nome. Fomos assim em busca de lagos, vulcões e araucárias só para nós, lá onde os turistas não são tantos. De El Bolsón chegámos em autocarro a Junín de los Andes, bonito pueblo meio perdido no nada da pampa Argentina, e a partir daí começámos o nosso périplo ensolarado que terminaria uns dias mais tarde sob uma chuva torrencial gelada que nos fez desaguar em Caracautín.
Ainda nas margens do Aluminé, decidimos ficar uma tarde tranquilos para passar a noite neste sítio lindo.
A Argentina vai ficando para trás…
Lago Icalma, mais uma vez do lado Chileno após cozinharmos uma cebola, uma courgete e queijo para podermos entrar no Chile.
Steph y Manu – Martín – Chris – famille de Victoria
]]>Para nós a Carretera Austral começou no seu fim, em Caleta Tortel, onde a estrada termina abruptamente numa vila de passadiços de madeira e casas palafíticas.
Saímos de Puerto Natales às cinco da manhã, num ferry que demoraria mais de 48h a atravessar uma das regiões mais húmidas do planeta, a zona dos fjords do Sudoeste Chileno. 48h de navegação sempre com terra à vista: fjords e mais fjords em montanhas cobertas de vegetação, musgo e turbal até ao seu mais ínfimo centímetro. E água, água salgada nos canais, água doce que cai do céu incessantemente todo o ano e que escorre pelas montanhas circundantes em cascatas violentas que se precipitam no mar, e água sólida, nas calotes glaciares que se entrevêem entre as nuvens quando o Sol força a sua breve entrada.
O Ferry, os fjords e o céu cinzento.
Montanhas de turbal e água e água…
Caleta Tortel tem um charme muito particular de aldeia de fim de mundo e também de aldeia palafítica. Este último charme é também o pesadelo de qualquer ciclista (especialmente dos tandemistas!). Ao fim de dois fantásticos dias de sol e calor, demorámos quase uma manhã inteira para conseguir sair de tanto charme.
Caleta Tortel – Cochrane
Este primeiro tramo foi inaugurado por uma tempestade de tipo tropical e pela felicidade de finalmente sentir calor. Sim, pela primeira vez desde o início da nossa viagem pudemos pôr as nossas t-shirts Natural Peak e calções de ciclista ao léu! E não, não é mais pampa que vemos todos os dias: o nosso caminho é agora pautado por uma vegetação tão densa que qualquer um se creria na selva amazónica e por glaciares que assomam de tempos a tempos acima das copas das árvores, como gigantes cogumelos brancos.
O mais marcante deste tramo foi talvez o encontro com a Luzmilla, velhota extremamente simpática que vive numa dessas casitas perdidas na beira da Carretera a que o governo chileno já fez chegar a energia solar. Passámos o seu portão atraídos pelo apelo do cartaz que dizia «Hay verduras» (carência profunda desde os nossos tempos em Tierra del Fuego) e saímos 4h mais tarde, já com o chá tomado, pãezinhos caseiros com compota caseira comidos, e os braços cheios de quantas groselhas e framboesas pudemos colher e carregar.
Cochrane – Puerto Río Tranquilo
Em Cochrane, vila banal destas paragens, lutámos com a internet deste fim de mundo para tentar actualizar o nosso blog e saímos tão furiosos da luta que partimos a corrente do pobre Quetzal. Reparação, dormida em casa abandonada que apareceu mesmo a calhar, e chegámos no dia seguinte a Puerto Bertrand, um bonito pueblo de beira-lago, para abastecimento de víveres (aqui na Carretera podemos finalmente carregar comida para apenas um ou dois dias e recuperar o peso perdido em Tierra del Fuego) e seguimos depois em direcção ao Lago General Carrera (ou Buenos Aires, dependendo do ponto de vista), de lindas águas azul-turquesa-caraíbesco. Lá encontrámos uma praia privadas só para nós, no meio de todas as outras já ocupadas e aí dormimos. No dia seguinte chegámos a Puerto Río Tranquilo onde acabámos por ficar um dia mais esperando melhor tempo e encontrar, por puro acaso, a famosa dupla tandemista francesa de renome que já havíamos cruzado meses antes em Puerto Natales, Emma e Apaulline. Com elas visitámos as turísticas mas interessantes Capillas de Mármol no dia seguinte e fugimos depois ao bando de mochileiros que pedem boleia à saída desta vila.
E as Capillas de Mármol…
Puerto Río Tranquilo – Coyhaique
De Puerto Río Tranquilo até depois da (infernal) subida de Cerro Castillo fomos confrontados a um dos provavelmente piores rípios da nossa curta história de ciclistas na América do Sul, mas também a algumas das mais belas paisagens.
No final deste tramo, entrevemos temporariamente uma espécie de pampa e forte vento face que nos fizeram fugir numa pick-up à dolorosa sensação de déjà-vu.
O bosque encantado…
…e o glaciar ao fundo.
Coyhaique e em como tivemos de correr como tolinhos até Puerto Raúl Marín Balmaceda
Chegados a Coyhaique, descobrimos que passar entre Chiloé e a Carretera Austral era o sonho de toda a gente para este Verão sul-americano de 2016-2017. Damos por nós a ter então como única opção para sair em direcção a Chiloé, uma passagem no ferry 4 dias mais tarde, a partir de um pequeno pueblo de seu nome Puerto Raúl Marín Balmaceda, uns 300 kms mais a norte. Assim sendo, como ainda não pedalamos assim tão rápido e havía ainda por cima alguns sítios imperdíveis a visitar no caminho, saímos de Coyhaique apenas umas horas mais tarde e passámos os 3 dias seguintes numa espécie de missão de boleia miserável em estradas desertas, pedaladas furiosas e encontros improváveis. O nosso Quetzal sofreu a sua primeira ferida profunda de guerra numa batalha contra uma pick-up selvagem que atravessava um verdadeiro campo de combate. Uma rasgadela profunda no quadro de alumínio que. nos causa o primeiro grande desgosto da viagem. Felizmente não arriscou a sua vida em vão, conseguimos aproveitar uma tarde livre na praia oceânica de Raúl Marín, uma das mais bonitas destas paragens e do Mundo em geral, onde tomámos o banho de mar mais austral das nossas vidas com vista aos golfinhos e glaciares ao longe.
Chiloé: Quellón – Quinchao – Quellón
Se tivéssemos de descrever o que foi para nós Chiloé em poucas palavras, diríamos talvez: boa comida, pescadores, igrejas de madeira, estradas insuportáveis e ilhas bucólicas.
Chegados dia 7 de Fevereiro a Quellón e obrigados a repartir dia 12 de Fevereiro do mesmo porto, fizémos o que pudemos para comer todas as iguarias típicas famosas de Chiloé. Fomos à costa oeste, atravessando a ilha grande ao meio até Cuchao, fomos a Chonchi, a Castro e a Dalcahue, e ainda demos um saltinho à ilha de Quinchao, história de ir até à pontinha do outro lado onde vivia a Maya do meu livro da Isabel Allendr e de confirmar que as subidas e descidas de Chiloé não devem nada às Carretera Austral. Tudo isto sempre acompanhados pela Apo que tinha perdido a piloto do seu tandem.
Chaitén – Río Puelo
Depois do inferno de turistas e carros da grande estrada asfaltada que liga o norte ao sul de Chiloé, o regresso à Carretera Austral soube-nos pela vida. Mais floresta tropical e glaciares, desta vez com vulcões à mistura.
Passamos por Hornopirén e somos depois atacados por uma tempestade diluviana que nos obriga a temporizar o nosso avanço de durante quatro dias que passamos numa ilha privada dum milionário a comer que nem reis, o tempo necesário para confirmar que afinal o mundo não estava prestes a acabar e a estrada ainda existia ao nosso regresso.
Até Contao seguimos pela costa, atravessando aldeias de pescadores e praias bonitas, pedalando sobre uma das mais agradáveis estradas que encontrámos até agora, de tão plana que poderíamos quase crer que tudo não passava de um passeio de Domingo na praia da Barra.
Tal passeio não passou de uma ilusão, e voltámos à vida real até chegar a Río Puelo, algumas mil subidas e descidas mais tarde sobre um ripio que teve certamente em tempos coberto de minas e sob uma chuva torrencial inclemente que não nos deixou outra escolha que passar a noite na hospedaje da Elsita, onde tomámos um duche quente e secámos tudo, desde o guiador à ponta dos atacadores.
Río Puelo – El Bolsón
Quando se olha para um mapa, rapidamente se percebe à primeira vista que quem quer ir da Carretera Austral até El Bolsón tem duas opções clássicas: passar para o lado argentino bem mais a sul, por Chile Chico ou Futaleufu, ou passar bem mais a norte, algures na zona de Villa Angostura. Quem olha mais obstinadamente para um mapa, repara em como seria mais conveniente poder atravessar directamente até El Bolsón através da cordilheira. Quando se faz um grande zoom num mapa, vê-se que sim, que há uns caminhos e até um passo fronteirço convenientemente autorizado. Sobre como são os caminhos desde a última «grande» aldeia do lado chileno, Río Puelo, e El Bolsón, ou Puelo, do lado Argentino, ninguém parece ter uma ideia muito concreta. Nem sequer em Chaitén, nem em Hornopirén é claro que também não em Río Puelo. Entre histórias, encontros fortuitos e conclusões obtidas a partir de análises estatísticas de comentários aleatórios, temos a ideia de que haverá ripio habilitado para viaturas até certo ponto, e depois só a pé, a cavalo ou, quiçá, em bicicleta. Partimos de Río Puelo ainda sob um céu cinzento e chuvosoque se foi abrindo pouco a pouco até o dia se transformar num pleno dia de Verão, quente e cheio de Sol. Ao fim de uns 14 km, chegamos ao primeiro ferry que, como é evidente, está atrasado. Lá nos deixam entrar sem pagar pela bicicleta, e saímos do outro lado do lago azul-turquesa mais os seis ou sete carros que cabiam na barcaça. Rapidamente percebemos que para estes lados já vem muito menos gente que antes. A paisagem muda progressivamente de verde tropical a verde alpino, os rios e lagos voltam a ser turquesa, e as subidas e descidas ganham inclincação. Ainda ao fim deste dia chegamos a Llanada Grande, que é na realidade bastante pequena, e percebemos que neste último verdadeiro ponto do mapa nem os carabineiros nos sabem dar informações precisas sobre como passar para a Argentina.
No dia seguinte continuamos a seguir o ripio que vai em direcção à Argentina, e passamos em Primero Corral e depois em Segundo Corral. Feios os nomes, bonitas as terras, a paisagem continuou a mudar e damos por nós num imenso vale aberto ao meio da cordilheira, com rios lindíssimos e montanhas fantásticas. A partir do Primero Corral já não há estrada para veículos motorizados, mas o Quetzal lá se safa, transformado em Quetzal TT (todo-o-terreno), até chegarmos ao primeiro riacho. lindo riacho sem ponte apta para bicicletas, lá transportamos sacola a sacola e por fim a a bicicleta, em braços até ao outro lado. A água estava fria e transparente, o Sol estava quente e forte. Passámos ao lado de uma fiesta costumbrista em preparação, mas já quase sem dinheiro chileno preferimos guardar o que resta para um hipotético barco. Passamos em terriório Mapuche e encontramos o primeiro barqueiro que faz a curta travessia até ao lado onde fica o posto fronteiriço dos carabineiros chilenos. Umas quantas horas mais tarde conseguimos finalmente os vistos de saída e compreendemos finalmente que para chegar ao lado argentino temos duas opções: fazer um caminho de cerca de 30 km a pé, não habilitado para veículos nem cavalos e, sobretudo, bicicletas tandem de 80 Kg; ou pagar ao único tipo quem tem autorização dos governos chileno e argentino para transitar do lago Inferior, chileno, ao lago Puelo, argentino. Após vários encontros lá nos convencemos que quatro dias a empurrarem levantar a bicicleta mais todas as sacolas é capaz de não ser assim tão divertido, e negociamos com o tal do Gaillardo que nos leve com ele amanhã, mais barato que normal, porque já não temos planta suficiente. Por hoje, dormimos no embarcadoiro, à beira-lago, e esperamos que por aqui passe às 7h15 da manhã para nos levar até à Argentina.
Luzmilla – Franco y Jorge – Viktor – Claudio – Gaillardo
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